Queria falar sobre o amor com a
propriedade de quem nunca teve. Amor no sentido de romance, esquecendo a parte
fraternal e amizades, claro. Carrego na mala alguns projetos de
relacionamentos, uns quase namorados, meios carinhos e fins inteiros, sem nem
ter havido começos. Mala pesada, que vira e mexe prejudica minha coluna, mas
poderia ser pior. Sou viciada em atropelar as coisas e sair jogando vírgulas
pra tudo que é canto, vivo com a impressão de que meus começos já são os meios
e talvez nem seja impressão. Sou mal acostumada a ser sincera e isso nunca me
permitiu jogar, trocar de papel conforme a trama mudasse a direção. E quem não
joga em tabuleiro, tende a virar peão.
Meu primeiro quase amor foi a minha
paixão louca e platônica, tradicional, não? Três anos e uma novela mexicana.
Algumas declarações infantis, menino paciente, nunca tivemos nem amizade e
acredito que nesse ponto da vida se iniciou meu costume em sofrer. Como se
fosse uma zona de conforto anti-amor, enquanto eu esperava desesperadamente que
o amor invadisse, porque na realidade todo o conforto sempre foi só fachada.
Estendi minha sina até poder
transferir todo o peso de querer e não saber amar pra um novo corpo, meu
segundo quase amor. Esse, na verdade, passou longe de qualquer sentimento, mas
foi meu primeiro namorado. Só status, só porque era legal, terminei um mês
depois e nesse ponto começou minha rota de fuga oficial: Me ama? Adeus, não sei
lidar com isso, desculpa.
Anos e anos vomitando liberdade até
aparecer meu terceiro quase amor. Falava tudo que eu precisava ouvir, me fazia
companhia e carinho, bem cômodo até ele querer um maldito tempo. Depois de dois
meses, do nada, como quem pede o açúcar na mesa do café. Senti pela primeira
vez o gosto amargo de um fim antes do final, abortei pela primeira vez um
relacionamento, sem saber que isso ainda seria normal pra mim. Senti fundo tudo
isso por estar amando a ideia de namorar, não ele, nunca ele. Mas dei todo o
tempo do mundo, porque relógio eu nunca fui.
Curti pouco tempo a sensação de sangue
escorrendo sem parar, até o início do quarto quase amor. Dois anos, algumas
horas de felicidade extrema, milhões de litros de lágrimas, muita imaturidade,
eu virando boneca numa prateleira cheia de desculpas e egoísmo. Só que hoje em
dia boneca anda, então fui embora, odeio lugar apertado. O fim mais difícil e
adiado da minha vida, mas de parto normal.
Me doeu pouco porque eu já estava no
quinto, isso mesmo, no quinto e último quase amor. Eu completamente metódica,
cheia de listas, horários, conceitos e preconceitos. Ele completamente do
avesso, me virando de ponta cabeça e me deixando o que eu nunca fui na vida:
leve. A pessoa mais louca e sensata que eu já conheci na vida. Quatro meses que
me valeram uma vida, meu segundo aborto de amor. Minha rota de fuga usada
contra mim, justo na vez que eu daria tudo pra ficar, mesmo não sabendo. Senti
direto na pele, pela primeira vez sem armadura. Respeitei.
Queria falar sobre dedo na ferida,
vodka com gelo e saudade, travesseiro molhado. Queria dizer que tô acostumada
demais a sofrer e, talvez por isso, reconheço e acolho as dores de todas as
minhas tentativas de amor e me assusto com coisas que só fazem bem, sem nem
arranhar. Não sei quase nada do amor. Nada além de romances literários, filmes
de comédia romântica, desabafo de amigas e umas poucas tentativas extremamente
mal sucedidas. Conheço e admiro de nome, mas queria compartilhar minha única
certeza: amor mesmo não dói.